sábado, 10 de dezembro de 2011

Cemitério de Esperanças

Entre todas as coisas do mundo, eu desejava apenas uma.
Como quase todo menino de quatorze anos, eu era apaixonado por uma garota. Juliana e eu éramos amigos, talvez apenas colegas. Era uma garota extremamente bonita, inteligente e popular. Todos no colégio a conheciam e a adoravam. Costumava ser divertida, extravagante e sempre amigável com todos. Também falava muito, embora isso nunca chegasse a ser irritante. Tinha uma incomum capacidade de cativar as pessoas.
Eu era um garoto muito quieto e solitário, não tinha nenhum amigo. Ficava no canto da sala de aula, em silêncio, tendo como companhia apenas meus pensamentos, tristes e amargos.
Certa manhã, Juliana sentou-se na carteira do meu lado. Ao perceber a presença dela, comecei a suar frio, pois em segredo, eu nutria uma profunda admiração por ela, um fascínio diante de sua beleza e simpatia, uma paixão. Ela perguntou meu nome, sorridente, e em pouco tempo, estávamos conversando descontraídamente, como se já fôssemos amigos há muito tempo. Enquanto a olhava, não conseguia acreditar no que estava acontecendo, pois um garoto como eu conversando com a menina mais popular do colégio era algo simplesmente extraordinário. A verdade é que para Juliana, aquilo era algo absolutamente normal, pois era acostumada a ser amigável com todos. Ela nem fazia ideia do que aquele gesto simples significava para mim.
Tímido e isolado, eu passei a ver em Juliana minha única e verdadeira amiga, de um modo que ela não poderia nem mesmo imaginar. Era meu único subterfúgio, um oásis milagroso num deserto de solidão.
Naquele ano, o surgimento de um novo vírus da gripe, que ameaçou tornar-se uma terrível epidemia, causou o recesso de todas as escolas do estado. Com efeito, tivemos um mês inteiro de férias, e em seguida, dois meses exaustivos de reposição de aulas. Estudávamos de manhã e à tarde, até as sete horas da noite.
Naquela ocasião, após a aula, os alunos aguardavam ansiosamente seus pais lhes buscarem, na frente dos portões da escola. Um por um, todos foram embora, até que restaram apenas eu e a Juliana. Ao me dar conta disso, meu coração disparou. Queria muito conversar com ela, mas, mesmo que já tivéssemos conversado antes, não tinha coragem nem de olhá-la. Para aliviar minha insegurança, foi ela quem falou. Cumprimentou-me, e logo começou a puxar assunto. Em pouco tempo, estávamos conversando animadamente. A cada segundo, sentia que gostava mais dela. Os minutos transcorriam, enquanto eu desejava que minha mãe ainda demorasse muito, apenas para prolongar aquele momento sublime.
A rua escura era iluminada somente pela luz fraca e alaranjada dos lampiões. Em meio à penumbra, um homem vinha caminhando pela calçada. Era alto e magro, e parecia jovem. Tinha o rosto coberto pelo capuz de seu moletom, e vestia uma bermuda surrada. Caminhava apressado, tentando não fazer barulho com o estalar de seus chinelos. Entorpecido pela presença de Juliana, eu não percebi sua chegada. Subitamente, o rapaz se aproximou da garota, puxando um revólver da cintura. Ordenou que ela parasse de gritar e entregasse a bolsa, mas Juliana, tomada pelo pânico, cometia a atitude irracional de impedir o assalto. Apertava com força a mochila, relutando em entregá-la.
Eu apenas observava, atônito e sem reação. O tempo congelou, e a Terra parou de girar. O único som eram as batidas frenéticas do meu coração.
Faltavam poucos segundos, eu já podia ouvir o disparo contra Juliana.
Naquele momento derradeiro, tentei pensar em fazer algo, mas também estava em pânico. Numa fração de segundos, comecei a refletir.
Percebi que a minha vida era triste e vazia, e que somente quando estava perto da Juliana a felicidade parecia existir. Concluí então, que a minha vida não valeria a pena sem ela. Percebi que a amava mais do que a mim próprio. Em um impulso instintivo, empurrei Juliana com força para o lado, protegendo-a, no momento em que ouviu-se o disparo.
Senti a bala perfurar meu ombro, e uma dor lascinante tomou conta de mim. Olhei para o ombro, e a visão do ferimento golfando sangue me deu náuseas. Minha visão ficou embaçada, enxergava apenas contornos disformes, flashes coloridos... eu não conseguia respirar. Caí no chão, enfraquecido. Gritos distantes ecoavam em meu ouvido. Fechei meus olhos...

Acordei lentamente. O ombro enfaixado latejava. Me encontrei deitado num ambiente de paredes brancas. Na cabeceira da cama, havia um arranjo de margaridas alvas. Minha mãe me observava, chorosa.
 - Juliana está bem? – perguntei sem demora – o que aconteceu com ela?
- Acalme-se filho, ela está bem graças à você. Não fique agitado, por favor. Ainda está se recuperando.
- Mãe, eu preciso vê-la.
- A Juliana está aqui no hospital há algum tempo, esperando que você acordasse. Foi ela quem lhe mandou estas flores. Vou chamá-la.
Minha mãe sorriu, seu orgulho estampado no rosto.
Minutos depois, Juliana entrou no quarto. Sua face irradiava felicidade e gratidão.
- Oi – disse eu simplesmente.
- Foi a coisa mais corajosa que já fizeram por mim. Obrigada.
Ela sentou ao lado da minha cama.
- Você é louco! – indagou ela repentinamente – foi sorte não ter morrido! Por que fez isso?
- Porque eu lhe amo.
O silêncio falava por si mesmo. A garota se aproximou de mim e beijou meu rosto. Foi o momento mais glorioso da minha vida.
Passamos a tarde juntos. Conversamos muito, e eu não conseguia ocultar a felicidade de estar ao lado de alguém como a Juliana, e saber que ela era grata por algo que fiz. Senti que faria aquilo de novo, pois valera a pena. As horas transcorreram rápido, e logo a noite caiu. Os pais de Juliana vieram buscá-la, me agradeceram repetidamente, emocionados e com convicção, a ponto de chorarem. Depois deu alguns minutos eu estava novamente sozinho, e abateu-se sobre a mim a solidão. Mas ao fechar os olhos, surgia na minha mente o rosto belo e sorridente de Juliana. Relembrei de todos os momentos que passei naquela tarde. Tinha sido o dia mais feliz da minha vida.

No outro dia eu acordei com minha mãe chorando.
- O que houve?
- Filho, a boa notícia é que você pode ir para casa hoje.
Eu tive medo de saber a má notícia.
- Sabe, aconteceu uma coisa... – ela hesitava.
- Diga logo!
- A Juliana. Ela, estava vindo para o hospital a pé, ela... foi atropelada.
A verdade me atingiu como uma martelada no crânio. Minhas entranhas se contorceram. Meu coração parou.
- Ela morreu – minha mãe caiu no choro de novo.
Aquilo não podia ser verdade. Era inconcebível. Depois de tudo... eu havia tomado um tiro por ela, tudo em vão... Deus ou o destino deveriam estar brincando comigo. Nunca mais veria aquele lindo rosto sorrindo para mim.
Desejei que a bala tivesse sido letal. A morte seria preferível. Eu a amava! As lágrimas escorreram livremente. Chorei como uma criança, que eu ainda era. Encostei a cabeça na parede fria. Continuei chorando. O momento mais triste da minha vida.
Depois desse episódio, levei a vida da pior forma possível. Tudo perdeu o sentido, nada mais tinha graça. Fui a pessoa mais infeliz do mundo. Casei com uma mulher insuportável, apenas para manter os costumes da sociedade.
E agora, estou deitado na cama, ao lado de uma amante, rabiscando este pedaço de papel. As lágrimas me vêm aos olhos novamente, do mesmo modo que há quinze anos atrás, enquanto eu relembro meu passado.
Esqueçam os filmes e as novelas. Tenham a certeza de uma coisa:
Tudo pode dar errado.

4 comentários:

  1. Ow. My god. Que lindo. Estou escrevendo um livro (também) e espero em breve publica-lo.

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  2. Respostas
    1. Na verdade não é um conto pessimista, e sim Realista.

      Quase todo o mundo tem dentro de si uma certa esperança, construída a partir dos "finais felizes" dos filmes, de que tudo terminará bem, o que obviamente não é verdade.

      "Tudo pode dar errado". Veja bem, não é "Tudo vai dar errado".

      Temos que pensar nessa possibilidade, senão nos acomodamos, não fazemos nada, esperando que no fim tudo dê certo, mesmo que não lutemos o suficiente para isso.

      As coisas podem dar certo ou errado. Não depende apenas de nós, mas o que nos resta é lutar, correr atrás.

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